sexta-feira, 24 de junho de 2011

Fuga

“Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.”

Fernando Pessoa

Hoje de manhã reparei que nossa música tocava no rádio. Surpreendi-me um pouco com esse clichê adolescente se infiltrando assim no meu cotidiano. Lembrei-me daquela vez em que fomos de casa até a praia ouvindo-a repetidamente no toca fitas. Aliás, nunca mais vi nossas fitas cassete. Estão com você? Ou foram embora em alguma faxina tecnológica? Gostaria de olhar para elas de novo, mesmo que já não haja mais onde escutá-las.

Não repare, ando meio saudosista. Acho que é vontade de encontrar alguma parte de mim que se perdeu num passado indistinto. Minha poesia talvez. É, talvez...

Outro dia desliguei meu celular e liguei para ele só para ouvir minha própria voz, congelada no recado gravado três anos atrás. Eu sei, eu deveria trocar de aparelho mais vezes. Mas isso me cansa, você sabe. No fundo eu sou mesmo muito afeito aos meus velhos hábitos. (Sim, você tem razão, sou um cara quadrado.) Mas, sabe, ouvir minha voz assim capturada e registrada há tanto tempo me fez sentir um certo arrepio. Me esforcei por lembrar quem era o dono daquela voz. Ainda estou com a sensação de que ela pertence a alguém que eu sei que conheço, mas não consigo me lembrar quem é. Não, não estava ali o rosto seqüestrado do espelho que eu buscava encontrar e trazer de volta pra casa.

Por falar em encontrar, nos vermos um dia desses? Uhm, não sei. Tenho medo de que não me reconheças mais, e nem eu a mim no reflexo dos teus olhos. Não sou mais a gota de orvalho na flor à margem do ribeirão do sítio do seu avô. Nem o... Mesmo assim? Pode ser. Mas não pense em encontrar um velho amigo. Pense mais em conhecer alguém de quem você já ouviu falar.

Bom, acho melhor eu continuar a encaixotar as coisas. Rever gavetas esquecidas, jogar fora o que não tem mais lugar, tirar o pó do que sobrar. Mudanças são sempre difíceis.

Carolina Zuppo Abed

quarta-feira, 22 de junho de 2011

"(Eis um caso que há de perguntar: é preciso estudar ignorâncias para falar com as águas?)"
(Manuel de Barros - "O menino do mato")



Metamorfose

Sinto saudades,
do mesmo sol que queimou teu rosto
no mesmo banco que estou agora.
Os chás das manhãs
Tu jamais foste a mesma,
se foi, não foi minha
Eu jamais fui o mesmo,
se fui, não fui eu
Mas a marca corada no rosto
e o amarelo dos teus olhos jamais serão diferentes,
não nessa metamorfose repleta de saudade.
Tu foste a inconstância
que só eu podia ser.

Raoni Silva Moura

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Ao colega Glauco:

Glauco Quedas nunca foi propriamente meu amigo, era uma pessoa que todas as vezes que me via estendia-me a mão e cumprimentava-me olhando nos olhos e dizendo: Boa noite, tudo bem com você? Hoje, sinto-me por nunca ter estendido essa conversa. Glauco tinha postura de líder, mas daqueles que também sabem ouvir. Quando entrava atrasado arrancava sorrisos, um daqui, outro dali, principalmente das mulheres. E causava também muita admiração, pela postura e caráter que tinha. Arrancou sorrisos de todos, sem exceção, fosse na piada aberta, ou naquela mais interna, das “patotinhas” que sempre se formam.

Glauco foi levado pela violência, pela triste realidade que somos obrigados a encarar. Um sem coração levou aquele que tinha muitos corações, cheios de alegria em cada um deles.

Hoje, o Rosa de Papel, murcho e sem pétalas, presta sua singela homenagem a Glauco Quedas, para que fique aqui imortalizado.

Se teu sorriso fosse assim,

Sempre eterno.

Se teu olhar viesse a mim,

Fazendo rir, riso sincero.

Mas se hoje tu não é mais,

Digo-lhe que és sim, companheiro.

Muitos guardar-te-ão no peito.

Só parte aquele que não deixa lembranças.

Não foi o teu caso.

Por Raoni Silva Moura, em homenagem ao amigo Glauco Quedas.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

"Cuando me enamoro doy toda me vida a quién se enamora de mi
Y no existe nadie que pueda alejarme de lo que yo siento por ti"
("Cuando me enamoro" Andrea Bocelli)

Saio do amor como quem sai da vida,

Devagarzinho, perdido, triste.

Como quem pensa que amanhã não sabe

Que hoje não lembra e que ontem não houve.


Já parto com vontade de voltar,

Mas volto com vontade de partir.


O mundo cai como um suor que escorre,

Cortando a face junto à lágrima

E como curar essa cicatriz invisível?

Esse corte profundo da alma.


Você me tirou da sombra quando estive lá

E jogou de volta quando estive aqui.


Queria sair do amor para entrar na vida

Leve, sereno, sincero

Como quem pensa amanhã será

Que hoje é certeza e que ontem sorri


Raoni Silva Moura