terça-feira, 27 de setembro de 2011

"Não é preciso apagar a luz, eu fecho os olhos e tudo vem"
(Os Paralamas do Sucesso - Caleidoscópio)

No túnel
O trem parou na estação. Com a testa apoiada no vidro frio da janela, eu olhava para fora, para o túnel comprido ao meu lado. Vinha chegando um trem – eu ouvia seu ruído. Percebi apenas vagamente quando a mancha clara e disforme cintilou no meu campo de visão. Aproximava-se rápida e inevitavelmente, e eu, sem desviar os olhos, descobria-o aos poucos revelando-se em toda a sua extensão. Até que parou. Emparelhados, os dois trens, viam-se.

Ainda sem mexer os olhos, deparei-me com um rosto que chorava. Com a cabeça encostada o vidro, olhava etérea e evasiva para algum lugar além da compreensão cotidiana. Lágrimas contínuas lhe cindiam a face como um mosaico de tristes cores. Queixo apoiado na mão, parecia entregue a seus pensamentos como a um destino do qual não se consegue escapar. Algumas vezes tentava, em vão, enxugar o rosto com a manga da blusa, porém suas tristezas tornavam a escapar-lhe olhos a fora, a dentro, inundando-a de realidade.

No reflexo úmido de seus olhos, compreendi sua dor. Compreendia pro completo aquela mulher que chorava. Sentia como se fosse minha aquela angústia que com delicadeza marcava tão fortemente suas feições. Eu também sabia o que era doer de existir. Olhando para aquele roso que chorava, pude sentir o que em mim já não estava, mas havia. Também eu, também eu tinha dores que me cortavam no fundo do que de mais meu existia. Também eu queria chorar, queria dissolver-me em um rio de mágoas até que as águas me lavassem por dentro. Um grito mudo desesperou-se de minha garganta.

Senti que meu corpo se movimentava para frente, alheio aos meus comandos. Um tranco, e logo o trem levava-me para longe dali, para longe daquela que chorava. “Não vai, não vai, não vai...” Foi embora. Nunca mais a veria. Dela, não sabia nem o nome. Só sabia de sua dor. Não, não sabia o motivo. Nem sua história, seus medos, seus vazios. Mas sabia de sua lágrima. E isso era tudo. Eu amava aquela mulher. Amava suas lágrimas. Amava seu deixar-se entristecer. A dor aguada de sua alma, sentia-a eu em minha secura.

Carolina Zuppo Abed